sexta-feira, 21 de maio de 2010

Da salga de peixe dos romanos às salinas do Leça no século XIX

In Jornal de Notícias
2007-04-17
Manuel Vitorino

"Já na época dos romanos existia a salga do peixe na praia de Angeiras", lembrou Joel Cleto, estudioso da cultura local de Matosinhos, no auditório da Biblioteca Florbela Espanca, naquela cidade. Numa palestra intitulada "O sal do esquecimento/salinas e comercialização de salgados na foz do rio Leça", o mestre em História deu uma aula com estórias dentro e avivou memórias.

Se a produção do sal sempre esteve ligada ao desenvolvimento social e económico de uma determinada região (é impossível falar de Aveiro sem referir as salinas e o árduo trabalho dos marnotos), que dizer, então, de uma cidade "desde sempre virada para o mar" e de uma terra onde o peixe, pescadores e a indústria conserveira sempre andaram de mãos dadas?

A pergunta pode estar fora de moda, mas em Matosinhos existem estudos e investigações que testemunham a existência de salinas no estuário do Leça, "um rio de águas salobras" e cuja construção do porto de Leixões provocou uma alteração radical na paisagem urbana. "Como foi possível produzir sal nas margens do rio Leça?, questionou Joel Cleto, enquanto deixava por instantes o ecrã luminoso com mapas, desenhos e fotografias amareladas pelo tempo.

"Porque, antigamente, o rio Leça estava cheio de meandros, ilhotas e espraiava-se por uma grande área geográfica. Naquela altura, as terras de aluvião eram muito férteis. Temos documentos datados dos séculos XI e XIII que testemunham um grande dinamismo das salinas do Leça", garantiu, perante o olhar estupefacto da assistência.

Turismo e maus cheiros

Dando um "enorme salto no tempo", em meados do século XIX, a tradição da indústria extractiva do sal sofreu um grave revés. Por um lado, a produção é "considerada excessiva" e, por outro, a Leça dos "janotas, pintores e aristocracia endinheirada" (durantes muitos anos foi chique ir a banhos a Leça) começou a olhar de soslaio para as salinas.

"De facto, tomar banho num lado e ter no outro as salinas não era muito simpático. Como os turistas começaram a queixar-se das doenças e dos maus cheiros, a produção do sal foi-se esvaziando. Mas ficaram as memórias desse tempo", notou o investigador.

Os documentos, muitos deles salvos "in extremis" de irem para o lixo, exibem os vestígios desses terrenos, nomeadamente o antigo "campo das marinhas", onde, muitos anos depois, foi construída a doca 1 do porto de Leixões. "Apesar dos altos e baixos da produção, em finais do século XIX, ainda se produzia sal no concelho. Não é por acaso que existe a Rua das Salinas, em Perafita", assinalou Joel Cleto.

Nesta aula viva de História local, a investigadora Patrícia Costa desvendou aspectos do cultivo de sal nas propriedades do republicano Brito e Cunha, e Fernando Rocha, vereador da Cultura da Câmara de Matosinhos, prometeu incentivar a divulgação do património local. "A investigação histórica amplia o nosso conhecimento", considerou o autarca.

Contas feitas, resta dizer que a extracção do sal não é só sinónimo de riqueza. Também pode ser um fonte de sabedoria e cultura.

Um comentário:

Anônimo disse...

Republicano(!) Brito e Cunha? Mas que grande confusão que vai nalgumas cabecinhas... Todos os Brito e Cunha até ao século XX que foram Senhores da Casa do Ribeirinho (e portanto das terras junto ao Leça) foram Cavaleiros Fidalgos da Casa Real, alguns até do Conselho de Sua Majestade Fidelíssima! Liberais, sim, mas isso era sinónimo de ser a favor de uma monarquia constitucional em vez de uma monarquia absoluta.
GBC